Ainda que historicamente associada à germinação do trip-hop na década de 90, a cidade de Bristol continua a destacar-se na electrónica mundial. Appleblim, Hodge ou Pinch são faces de uma recente geração de produtores cuja abordagem transversal e experimental à música urbana dá lugar a resultados frequentemente insondáveis. Ao mergulhar nesta árvore de família, Vessel assume-se como um ponto vital. Integra no fervilhante colectivo Young Echo (com um raio de acção intenso na promoção de eventos, programas de rádio e autores de um disco maravilhoso chamado ‘Nexus’) e é actualmente uma das forças distintas da editora Tri Angle – também ela uma fonte inesgotável de novos sons. Vessel é apenas um dos vários monikers de Sebastian Gainsborough. Ele que nos últimos anos tem dissecado os meandros música de dança e do ruído em estado bruto em prol de uma manufactura pessoal entre esses dois pólos.
Num período em que a maioria da produção noise regressou ao submundo, tem sido precisamente do techno que tem ecoado muita dessa energia em estado bruto. No último par de anos, reis como Ron Morelli (e a sua L.I.E.S Records), Vatican Shadow ou Lotic trataram de cristalizar essa benigna ligação, fundando um imaginário ideal de dancefloor fora de horas. Somente com dois álbuns, Vessel afirmou-se como mais uma luz strobe neste brilhante espaço mental. ‘Punish, Honey’ é um daqueles discos que merece franca escuta, exige alguma atenção e proporciona imensa descoberta. É um portentoso passo adiante face ao anterior ‘Order Of Noise’; com efeito deixa para trás as coordenadas dub, e o demais espectro bass, para se entregar de modo contundente a uma expressão sonora e conceptual musculada, confrontativa.
Para isso há que saber que neste processo de criação, Gainsborough reinventou o seu setup, substituíndo quase totalmente o equipamento habitual por instrumentos pouco ou nada convencionais – muitos deles até mesmo construídos ou modificados por si. Boa parte do material recolhido incluíra peças do dia-a-dia como bicicletas antigas, peças de metal furjado ou gravações de campo, o mais cruas e primitivas possível. Uma jogada vencedora que se traduziu numa sonoridade confortável nos parâmetros da música industrial – com direito a conservar também melodias densas entre o apocalíptico e o fúnebre. Em tudo, uma abordagem filosófica que os germânicos Einsturzende Neubauten seguramente aprovariam. Vampiresco, procura seduzir com encanto para logo nos encurralar, no melhor sentido possível, num círculo de fogo. Há muito que foi ultrapassada a fronteira do techno por aqui, mas a sua palpitação transmuta-se em cada canto e recanto de ‘Punish, Honey’. O que afinal torna esta jornada desafiante, demente e magnífica, em doses equivalentes.
A abrir o ano na ZDB, a chegada de Vessel assume-se quase como que obrigatória. Pela urgência e impacto do seu laboro, mas também pela fase especialmente criativa em que se encontra de momento. Por fim, uma fantasia tornada realidade. NA