Energia estelar na música de dança perpendicular dos nossos dias. Haverão muitos outros, mais conhecidos ou celebrados, mas DJ Haram tem uma aura de culto merecido. Das atuações fogosas a solo, às colaborações sísmicas com Moor Mother ou Armand Hammer, segue a criar um cadáver-esquisito no coletivo, mas também nas diferentes personas que habitam em si. Norte-americana convicta da diáspora do Médio Oriente que traz no sangue, é indissociável a sua genética cultural na produção e alquimia musical que patenteia como poucas. Consciente também das armadinhas criativas e identitárias que essa linhagem aporta, a honestidade artística é o seu maior trunfo. Sem concessões, a manipulação física e o processamento digital de ritmos tão díspares como ecos de hip hop, footwork ou a hipnose da percussão ancestral de outros tempos abrem portais improváveis. Vislumbra-se uma eletrónica orgulhosamente híbrida e bastarda, globalizante, mas não globalizada – num espaço-tempo em contínuo.
Consciente da aprendizagem e vivência comunitária que a perfilaram, é nos terrenos baldios da batida mais crua que tem levado muito do seu trabalho nos últimos anos. Rainha de um freestyle inimitável, não receia a atonalidade para daí retirar a natureza abrasiva que frequentemente cultiva; nem usar um microfone para acrescentar poesia ou revolta a uma seleção musical simultaneamente distópica, febril e até sensual. Nos decks, materializa em genuínos bangers uma arquitetura futurista pessoal de destilação sónica e alucinações electro-acústicas. Ou como a própria uma vez confessou em entrevista, numa outra visita a Lisboa: “prefiro que as pessoas fiquem impressionadas com os meus sons e histórias do que com a minha mesa de mistura”.
Beside Myself chega-nos agora às mãos como documento esfíngico, pujante e essencial. Afinal há muito que se projetava um álbum estreia a solo após uma extensa e dispersa lista de singles, EPs e aventuras conjuntas. Um tratado sonoro à resistência de hoje e sempre numa experiência auditiva imersiva e extasiante. Regresso especialmente pertinente e inspirador para espantar espíritos neste timeline histórico – e tramado – em que nos encontramos.