Surpresa valente na eletrónica de combate dos nossos dias, bastou um EP para ecoar nos ouvidos e lugares que merecia. Mas Boundary não nasceu de um simples estalar de dedos; é um culminar de anos de experimentação electro-acústica a que junta estudo académico despretensioso e muitas horas atrás dos decks. Acima de tudo, transmite uma intenção em compreender a natureza complexa do caos para o recriar – e obviamente, fazer disso uma forma de expressão. Aberta a mutações algures entre os idiomas do industrial e a samplagem mais sónica, é nos meandros escuros de becos rítmicos que faz circular uma energia bruta que espreita meta-melodias e encontra respiro nos silêncios possíveis.
A nível vocal, revela-nos domínio e ousadia, seja na natureza gutural que arranca de ritmos maquinais, seja de espaços no limiar da percepção. O grito evocatório, o sussurro seco e a respiração amplificada são elementos que abrem canais ao delírio ongoing em estado de matéria viva. Por outro lado, se o seu trabalho a solo oferece todo um universo fervilhante e prolífico, as suas colaborações com Caterina Barbieri, Cecilia Tosh ou Lucy Railton demonstraram ainda maior amplitude nestes – e noutros – léxicos sonoros. Regressa a Lisboa, cidade com a qual tem uma relação longínqua, onde atuou e passou alguns dias em residência artística. Apanhá-la por cá, nesta fase de hiperatividade e crescente reconhecimento, significa ocasião oportuna para um festim sensorial. NA
