Em 2009, realizou-se o Primer Festival Mundial de la Digna Rabia (Primeiro Festival Mundial da Raiva Digna). Sob o nome de “Otro Mundo. Otro Camino: Abajo y a la Izquierda” (Outro mundo. Outro caminho: Abaixo e para a esquerda), este encontro, organizado pelo Exército Zapatista de Liberación Nacional (EZLN), comemorou o décimo quinto aniversário do levantamento que lideraram em 1994. Rigo 23 visitou Chiapas pela primeira vez para assistir ao festival.
Durante os quinze anos que decorreram desde o levantamento, o legado da revolta zapatista percorreu a Terra, chegando a todos os seus recantos. A sua compreensão da revolução no período pós-Guerra Fria, as formas de governação propostas e a abordagem re-inventiva da democracia moldaram muitas das revoltas mundiais que se seguiram – antes e depois de 2009.
Reflectindo sobre isto, Rigo 23 transformou este pensamento numa pergunta dirigida aos artistas locais, as cooperativas de artesãos, os criadores de todos os campos, activistas culturais e membros das organizações de base filiadas no movimento zapatista: Que forma tomaria uma cosmologia Zapatista numa viagem a outras galáxias?
O resultado é uma instalação imersiva, multifacetada e altamente detalhada que leva o visitante numa viagem que começa em Chiapas e passa por diferentes momentos antes de regressar à sua cidade de origem — desta vez, Lisboa. Esta estrutura espacial e intergaláctica fixa-se em imaginários estabelecidos, mas também os influencia para um reino especulativo que os alarga. Nele, a cosmovisão Maia do mundo encontra o presente material do movimento, as suas ideias de criação do mundo, ao mesmo tempo que encontram os potenciais narrativos da ficção científica. Ao longo da instalação, objetos encontrados, como portas e paredes, reunem-se com tapeçarias, pinturas, frases, esculturas e artesanato que, juntos, criam outros mundos, num diálogo construído espacialmente através de imagens, textos e geografias por onde passou.
Neste sentido, a instalação é uma viagem, mas também uma nave espacial imaginada e construída por companheirxs da comunidade Zapatista que preferem não ser nomeados individualmente, mas sim por filiação. À medida que esta nave espacial viaja, navega pelas ténues fronteiras que delimitam e negoceiam questões de autoria, apropriação e representação. Neste sentido, Rigo 23 surge mais como um facilitador e curador do que como um autor, que inicia através de uma pergunta uma correspondência cuja resposta vai crescendo à medida que recebe novas respostas de diferentes agentes do território.
Num mundo pós-globalizado com o autoritarismo de extrema-direita em ascensão, o Programa Espacial Autónomo InterGaláctico[1] preserva a sua capacidade dialógica com a estética e os ideais zapatistas, ao mesmo tempo que põe em marcha uma desejável nave a descolar da resultante mudança de paradigma.
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[1] A Comissão Intergaláctica Zapatista foi uma iniciativa do Exército Zapatista de Libertação Nacional, cujo objetivo era estabelecer ligações e solidariedade com movimentos sociais, organizações e lutas de resistência em diferentes partes do mundo.