The Thief’s Journal: Songs of Decreation
de Billy Bultheel
Em diálogo com Gonçalo Sena
Curadoria de Marie-Therese Bruglacher e Marcos Silva
The Thief’s Journal: Songs of Decreation é uma investigação contínua sobre as relações composicionais entre música, espaço, movimento e o corpo e/ou instrumento. Escrita para nove corpos, a obra reúne um conjunto de músicos de formação clássica e de várias origens subculturais. Em colaboração com a Galeria Zé dos Bois, esta iteração de The Thief’s Journal dialoga em site-specific com obras escultóricas de Gonçalo Sena.
Um armazém vazio em Marvila: uma capela sacra e misteriosa; uma espécie de lugar arqueológico. A chuva pinga do tecto; uma placa de metal chora; estranhos corais crescem da parede; a água escorre de uma piscina. Uma lula numa cadeira. Um espaço esquecido. As luzes do escritório ainda estão acesas.
Os dois artistas, Bultheel, compositor, e Sena, artista visual, falam a mesma língua, mas através de meios diferentes. Partilham uma busca de criação e des-criação, ecoando mutuamente no espaço e no tempo. Enquanto Bultheel escreve música como espaço e lê o espaço como música, Sena faz esculturas que personificam a bela fragilidade da natureza, transformada temporariamente em permanência, mas sempre porosa à sua decadência.
A noite é efémera. Nós testemunhamo-la apenas como: um momento fugaz no tempo.
Intrigado com o momento de catarse, Bultheel mistura vários estilos de música, desde composições polifónicas medievais a música de ensemble, noise e metal. Unidas no acto da audição por um sentimento de êxtase e devoção, estas músicas pertencem tanto a espaços sacros, como a clubes industriais. A meditação de Bultheel sobre as qualidades temporais e espaciais da escuta encontra resposta na exploração material de Sena sobre a poética do espaço. Juntos, escavam algo de estranho, um lugar de sombra.
Fazendo lembrar o ladrão de Jean Genet da sua autobiografia semi-ficcional “The Thief’s Journal”, as figuras vagueiam pelo espaço. Acariciam instrumentos e partem pratos. Roubam os seus sons. Encontram objectos estranhos e sacrificam-nos ao espaço. Tornam-se poetas musicais e espaciais, coreografando um espaço. O espaço começa a respirar.
No caminho para casa, à espera num semáforo, uma pedra de forma estranha olha-me do outro lado da rua. Cumprimentamo-nos. Passamos. Sinto os seus olhos nas minhas costas enquanto me afasto.