ZDB

Artes Performativas
Teatro

A Grande Sombra Loira

16.10 — 26.10.12
NEGÓCIO Rua de O Século nº9 porta 5, Lisboa


O NEGÓCIO apresenta a primeira encenação de Tiago Barbosa, um solo assente no trabalho de actor, naquilo que esse trabalho tem de mais meticuloso e persistente.
Uma peça inquietante que alcança e expõe a interioridade de Florbela Espanca e as emoções íntimas e inomináveis do ser humano, e fá-lo de modo tão surpreendente que nos coloca perante a experiência teatral na sua essência. De forma despojada e generosa, actua num território urgente, de desassossego.

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‘O ponto de partida para este trabalho foi os sonetos da Florbela Espanca. Até há pouco tempo, não tinha grande afinidade com a sua poesia. Tinha-a lido fortuitamente e achara-a exaltada demais, demasiado exclamativa. Os seus dramas, com todo aquele sentimento, soavam-me histéricos e melosos. Não compreendia o recurso constante a palavras grandes, como Amor, Dor, Poeta e outras – escritas assim, com maiúscula. Parecia-me também rígida demais, no apego à estrutura do soneto, com a sua música e ritmo próprios. Achava tudo muito convencional. Entretanto, por razões profissionais, vi-me forçado a decorar um dos seus sonetos. Fi-lo a contragosto, distanciado pela impressão que trazia. Aconteceu que, à medida que ia repetindo aqueles versos em voz alta, comecei a ficar empolgado. Em pouco tempo, fervia de exaltação. Berrava! Explodia em fúria dramática! O sangue e as vísceras da Florbela substituíam-se aos meus! Que horror! Que maravilha! Que terror! Florbela!! O chão fugia-me! E as minhas convicções estéticas? Não a soubera ler! E as implicações políticas? Seria analfabeto funcional? E só agora compreendera? Que tragédia! A Florbela!! Não a compreendera! Seria analfabeto emocional?? Li-lhe outros sonetos. Ela queria amar! Como não a ouvira a gritar-me do papel?? Porque não a ouvira?? Por razões formais??? Porque não aceitara o seu convite?? Porque não a quisera amar?? Porquê? Deixara-a sozinha, isolada, angustiada, a cantar, ora suplicante e submissa ora feroz e revoltosa ora amorosa e subversiva ora endeusando-se como poeta, presa dentro dos seus sonetos! Ela amava, queria amar, transbordava de amor e falava, queria ser ouvida. Tentava convencer, transcendendo-se no esforço por alcançar o sublime em cada verso. E eu ignorara-a!! Só agora, passado este tempo todo, a ouvia, lhe sentia a força dos sentimentos. Rendi-me. Li-lhe mais sonetos, todos. A poesia completa. E fui à procura dela (a dos sonetos).’

Tiago Barbosa

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